Ivoti, Sábado, 27 de Fevereiro de 2010
Caro(a) amigo(a),
Você é meu amigo, portanto estou lhe escrevendo um breve desabafo e enviando algumas das centenas de imagens que pude fazer quando estive na segunda-feira dessa semana nas dependências da Ulbra – Universidade Luterana Brasileira em Canoas/RS. Tive acesso à garagem do Museu por ter me inscrito para participar dos leilões que ocorreram nos dois dias posteriores às imagens que vc. vê agora. É de cortar o coração de qualquer pessoa que tenha um mínimo de sentimentos a respeito da hsitória que o automóvel teve no nosso país.
Eu mesmo fiquei muito mal e profundamente abalado com tudo o que vi e ouvi nesse dia.
Não vou discutir as razões nem as ações que culminaram nessa tragédia anunciada, pois vc. já deve ter lido ou se informado bastante a esse respeito, inclusive com várias das minhas opiniões.
Deixo apenas as imagens para que vc. contemple e reflita sobre o como foi difícil e complicado criar todo esse universo sobre uma utopia e depois ver a atual realidade, nua e crua, e a ausência do poder público em tomar alguma atitude a respeito do ocorrido. O governo salva bancos e fica com a “parte podre” de seus créditos… Aqui, nem das peças enferrujadas e patinadas pelo tempo ele teve interesse. Carros históricos como o Mercedes Benz conversível que foi de Ayrton Senna, doado ao museu, sendo vendido por 300 mil reais…
E assim como inúmeras ações particulares que já tomaram corpo ao passar dos anos e décadas, vemos mais uma inacreditável coleção se desfazer, se diluir, se esvair, com a famosa tarja de “dono e idealizador dessa coleção corrupto, ladrão, covarde, bem feito pra ele, quem mandou se meter com a gente” colada em sua fachada…
O que será do imóvel que vc. vê nas primeiras fotos ?
Será demolido, depois da fábula que custou ??
Provavelmente, pois ele “mancha a honra da instituição que o acolheu de braços abertos”…
E os pavilhões que abrigavam as oficinas e as garagens onde os carros e motos eram guardados e restaurados ???
Talvez sirva de depósito do “entulho” que sobrou e que entupia aquele prédio todo envidraçado…
É meu amigo, nada é eterno… Nem mesmo uma coleção com mais de 500 veículos de duas, três ou mais rodas, mais de mil artigos e artefatos ligados à ciência e tecnologia, armas e munições, livros, filmes, imagens… E pra que querer compartilhar tudo isso com o grande público ??
“Tralha velha” precisa de audiência ???
“Brasileiro é burro, não tem cultura, não perde tempo, não precisa nem merece ver essa bobagem”, diriam os mais xenófobos.
Graças a Deus, eu não penso dessa maneira.
Enquanto tem gente que esconde dinheiro na meia ou cueca, arruma nota fiscal falsa dizendo que iria comprar panetone, eu fui inteligente, perdi parte do meu tempo, precisei e mereci conhecer de perto o que foi esse colosso, o maior museu de automóveis já erguido na história desse país.
Sim, comparando com a nossa população, fui um dos poucos privilegiados a ter essa sorte. Muitos não vieram prestigiar ou visitar por vários motivos, mas muitos certamente não por terem sido burros ou ignorantes.
Por que não houve interesse em manter esse acervo ???
Por que não encampar essa dívida, ficar com esse inestimável acervo que foi vendido a pouquíssimos privilegiados, e que vai ficar agora espalhado por esse mundão afora, muitas das vezes apenas para inflar o ego de uns poucos, outras vezes para ser imobilizados para o todo sempre…?
Por que não ficar com o acervo e enviar tudo para o modesto Museu do Automóvel de Brasília, que é esplendidamente comandado pelo Nasser ??
Não, meu amigo, não existe resposta a essas perguntas. Nem adianta mais perguntar. Agora já é tarde.
Fica o gosto amargo na boca de ver tanta cultura mais uma vez desprezada e atirada aos lobos e hienas que a devora sem remorsos. Tomara que um dia meus filhos e netos entendam o registro que eu fiz, leiam essas linhas, e possam dizer que houve mudanças no decorrer do tempo.
Sonhar nunca é demais.
Volto novamente ao sonho.
É preciso.
Mário César Buzian – Ivoti/RS
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